El crítico, ensayista y gestor cultural José Carlos Avellar fue un pensador fundamental del cine brasileño y latinoamericano. Dejó siete libros, entre ellos uno inédito sobre las representaciones familiares en el cine brasileño que el Instituto Moreira Salles publicó recientemente con el mismo título del ensayo que reproducimos aquí, Pai país, mãe pátria, fragmento de dicha obra. Avellar fue también jurado de importantes festivales internacionales como los de Venecia y Cannes, y durante muchos años representó a Brasil en el Festival de Berlín. Como director de la distribuidora RioFilme, contribuyó a la realización de 94 largometrajes, varios de ellos considerados hoy clásicos del cine brasileño y latinoamericano. Fue director de la Cinemateca del Museo de Arte Moderno de Río de Janeiro y coordinador de cine del Instituto Moreira Salles, para el que creó una colección de películas indispensables en DVD, y fue un gran colaborador del Programa Ibermedia. El brillante texto que vamos a leer se lo debemos a la generosidad de su viuda, Claudia M. Duarte, y del Instituto Moreira Salles. Gracias a todos ellos y en especial a ti, amigo Carlos: era así como te llamábamos.
[:]Escreve JOSÉ CARLOS AVELLAR
“Não devia ter a merda da fotografia pra gente não ter de lembrar.” Dora caminha com Josué na Vila do João, em Central do Brasil (Walter Salles, 1998). A câmera vai com eles, às vezes um pouco atrás, outras um pouco adiante. Já quase no final da viagem, perto da casa onde esperava encontrar o pai de Josué, Dora procura saber se o menino seria capaz de reconhecer o pai. “Tua mãe tinha uma foto de teu pai?” Ele diz que sim, “tinha!”. Ela quer saber se Josué conseguiría se lembrar da cara do pai. Ele não sabe: “Tem hora que eu alembro, depois desmancha na minha cabeça”. Dora preferia esquecer a cara do pai. Se não existisse fotografia, diz, não se lembraria mais dele. Saiu de casa com 16 anos, nunca mais viu o pai. Anos depois, “eu gelei”, deu de cara com o pai na rua. “Aí, tomei coragem e fui falar com ele: ‘Está me reconhecendo? Se lembra? Se lembra de mim?’”. Viu na cara dele que não se lembrava, “ele não reconheceu a própria filha!”. Falou com ela como se ela fosse uma qualquer: “Menina! Vem cá! Como é que eu pude esquecer uma mocinha assim, jeitosinha como você”. Ela cortou a conversa e foi embora, “respondí para o safado que tinha me enganado de pessoa e me mandei”. Um silêncio. Dora conclui secamente, a meia voz: “Soube que ele morreu logo depois”. Silêncio maior. Dora interrompe a caminhada, dá um tapa amistoso no braço de Josué, muda de tom e pergunta: “Entendeu?”. Ele, não, não entendeu, “que é que eu fiz?”. Ela explica: “Daqui a pouco você também já se esqueceu de mim”. Ele nega, “eu não quero se esquecer de você”, mas ela diz que não tem jeito. “Não adianta.” Ela sai da imagem, deixa Josué sozinho e, fora do quadro, sentencia: “Você vai me esquecer!”.
No cinema, enquanto um filme passa na tela, o espectador é metade Dora, metade Josué. Metade Paco, metade Alex: está no lugar e na condição ideal para esquecer-se de si próprio só não se esquece de todo porque tem a fotografia. No cinema, a imagem, além do quadro, é também o fora de quadro, o esquecido pela câmera, o não visível que estrutura o imediatamente visível assim como nesse plano em que a câmera se esquece de Dora, a personagem que de fato conduz a cena, e permanece com Josué. O desenho da imagem antecipa o que a escrevedora de cartas diz para o menino que às vezes se lembra, outras não, da cara do pai: “Você vai me esquecer!”.
Na fotografia de Terra estrangeira (Walter Salles e Daniela Thomas, 1996), sem tirar os olhos dela, o espectador vê também o ponto de vista de onde é contada a história de Alex e Paco. Só percebe tuna coisa porque simultaneamente percebe a outra: vê o filme como se estivesse na ponta da Europa, Ninguém, Menos Ainda e um mar sem terra nenhuma à vista, uma representação do Brasil dos primeiros dias do governo Collor. Sem terra alguma para chamar de sua, Alex e Paco vivem de forma trágica o verso de Carlos Drummond de Andrade em “Hino Nacional”: “Nenhum Brasil existe. Precisamos, precisamos esquecer o Brasil”. [1]
Central do Brasil caminha entre Dora e Josué. Com ela, que se move pela vontade de esquecer, e com ele, que se move pela vontade de não deixar a lembrança desmanchar na cabeça. A cena em que eles conversam sobre a fotografia do pai, além de seu sentido primeiro e fundamental, é uma possível representação do processo de construção do filme feito em tomo de uma carta não enviada, da perda da mãe, da perda do pai, e de coisas não esquecidas de todo porque existe a fotografia. A foto no monóculo, Dora no ônibus, Josué na Vila do João figuram o processo de (re)sensibilização da escrevedora de cartas.
Dora confessa para Josué que há muito tempo não mandava uma carta para alguém (“agora estou mandando esta carta para você”). Diz que ele tem razão, que o pai vai reaparecer e com certeza é mesmo tudo aquilo que Josué acha que ele é. Ela se lembra do pai dela “me levando na locomotiva que ele dirigia”. Ele deixou. “Eu, uma menininha, dei o apito do trem a viagem inteira!”. Diz que tem saudade do pai, diz que tem saudade de tudo, que tem medo que um dia Josué se esqueça dela. “No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto” – conclui, então feliz porque a fotografia existe.
Embora à primeira vista pareça interessada só em acompanhar o que os personagens fazem, atenta mas discreta como quem não quer se fazer notar, a imagem sugere que devemos ver Central do Brasil como uma fotografia – um retrato, para não esquecer. Um retrato para lembrar o país esquecido, o país “que a gente não quer nem ver, que a gente esconde debaixo do tapete”. [2]
Retratos: não se trata somente da foto do pai, que Josué viu um dia entre as coisas de sua mãe, nem da foto na parede da casa dos irmãos, nem ainda da foto que ele e Dora tiram na feira. Nem mesmo se trata apenas dos “retratos” das pessoas que ditam cartas para Dora, personagens anônimos vistos em imagens, que se esquecem de tudo o mais para concentrar a luz e o foco no rosto deles. Nem ainda das fotos das paisagens descobertas ao longo da viagem. A câmera, na cidade, é de uma miopia idêntica à de Dora. Ao sair do Rio de Janeiro, abre os olhos com curiosidade idêntica à de Josué: os planos tornam-se mais abertos e coloridos, com maior nitidez e profundidade. Enfim, não pelo imediatamente visível, os muitos retratos de pessoas e paisagens, mas pela ordem invisível que constrói o que se dá a ver, é que Central do Brasil se constitui como uma fotografia para lembrar o que parece ter sido esquecido mas não sai da cabeça: o pai, o país. [3]
Em Central do Brasil (uma viagem em busca do retrato que não deixe o retratado cair no esquecimento), talvez se revele mais o fotografado que a fotografia. Em Terra estrangeira (uma viagem para esquecer a existência do retrato e do retratado), talvez se revele principalmente “a pulsação fotográfica”, mais a fotografia do que o fotografado. A câmera “é que demonstra o estado dos personagens”. Carregada na mão o tempo inteiro, é ela que “transmite a crise do início dos anos 199o”. [4] No apartamento apertado em que Paco mora com a mãe, na rua estreitada pelos prédios, cartazes e viadutos, na confusão do bar e no amontoado de objetos da loja de antiguidades, nenhum espaço. A imagem não retrata o pedaço de realidade diante da câmera, não aquele preciso pedaço de São Paulo. Retrata a sensação do país como parede e teto, nenhum céu, nenhum chão, nenhuma porta ou janela, ou, se janela, nenhum horizonte à vista. Parede, muro, sombra, prisão, vontade de fugir: “Que um manto mágico seja meu e me carregue para terras estrangeiras” – Paco toma por empréstimo as palavras do Fausto de Goethe.
Em Terra estrangeira, preto e branco, câmera na mão e quadro nervoso. Em Central do Brasil, cor, teleobjetiva e grande angular, para obter um foco mais fechado ou aberto. Em Abril despedaçado (Walter Salles, 2001), cor, quadro firme e tenso, menos ação e mais reflexão. A fotografia vive principalmente um drama-outro, paralelo àquele da cena fotografada. A imagem de cinema é por essência plural, existe em fusão com outras e em um duplo movimento, corre para fora de si mesmo e corre internamente de um a outro de seus polos – do real tal como o vemos ao real tal como o sonhamos. Deste modo, porque essencialmente fusão, porque essencialmente múltipla, a imagem da procura do pai é também a da procura do país e a da procura de si mesmo. A procura do pai e de si é também a procura de Fausto, vender a alma ao diabo. Março de 1990 é também abril de 1500. Abril, tempo imóvel. Maio, nunca mais. Abril é o lugar sem fotografia, o lugar do esquecimento.
Josué não quer esquecer o pai. Esquecer o pai é tudo o que Dora quer. Ela não conhece o pai de Josué, mas sabe que todo pai é cachaceiro, melhor esquecer. Para a mãe de Josué o pai “foi a pior coisa que aconteceu” na vida dela. Ela só escreve para ele porque o menino cismou: quer conhecer o pai. Na determinação de Josué, não esquecer o pai (que “construiu nossa casa sozinho e sabe fazer tudo de madeira, a mesa, a cadeira, a porta, o pião”), uma herança do cinema da década de i960. Na determinação de Dora, esquecer o pai (“em casa era um bicho e na rua, um palhaço”), uma presença do cinema da década de 1990.
Longe do Fabiano de Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), longe do pai que se isola de tudo em A terceira margem do rio (Nelson Pereira dos Santos, 1994), longe do pai que Josué quer encontrar em Central do Brasil, bem longe deles, o pai de Abril despedaçado está próximo daquele que a mãe de Josué prefere esquecer; Dora nem quer lembrar do pai, o cachaceiro que em carta para a mãe dela se diz “cansado de viajar de ônibus todo dia, quer dizer, cansado de minha mãe, e que resolvera pegar um táxi, quer dizer, outra mulher”. Pai? “Tudo igual, tudo cachaceiro.”
No ônibus, com Josué, Dora se lembra do apelido do pai-cachaceiro, “Pimbão”, aponta alguém com cara de pai e repete a meia-voz para Josué: “Pimbão, ô Pimbão!… Paihaço, ô palhaço…”. Pai, Dora tem certeza, conhece o tipo: “Pai? Bêbado!”. Para tentar convencer a amiga Irene a não botar no correio a carta do filho que queria conhecer o pai, reafirma: “Pai? O de Josué também: bêbado!”. Garante: batia na mãe deie, “na cara dela”. Batia no menino. “Melhor viver sem ele.”
Nos filmes da década de 1960 as relações familiares e os traços dos personagens apareciam fora de foco para que eles pudessem ser compreendidos não tanto como figuras individualizadas, mas como representações da cena política e social. Deslocava-se assim o conflito do particular para o geral. A partir da metade da década de 1990, o social e o político é que aparecem fora de foco. A atenção se concentra na individualidade dos personagens, o conflito se desloca do geral para o particular, as relações familiares são uma direta representação da cena política e social. Em Abril despedaçado, quando o pai recebe no velório do filho o pai da família inimiga e o assassino de seu filho, temos o equivalente ao encontro de chefes de Estado em tempo de guerra, para discutir urna trégua e enterrar os mortos de uma batalha – mas só num segundo momento, só depois da projeção. Enquanto acesa na tela, a cena é, de fato, a expressão da força bruta do pai por meio da lei da cobrança de sangue na guerra entre familias.
A questão que os meninos de Vidas secas enfrentam está fora do núcleo familiar. O problema não está em casa, está fora dela. O pai, a mãe, o menino mais velho e o menino mais novo são pressionados pelo poder, pelo governo. Pelo Soldado Amarelo, que provoca Fabiano, “está me desacatando, paisano?”, aplica-lhe uma surra e o joga uma noite na cadeia. O Amarelo é o país, é o poder, e por isso, quando Fabiano reencontra o soldado, miúdo, franzino, perdido na caatinga, contém a vontade de vingar-se – “Como a gente pensa coisas bestas!” – e diz baixinho para si mesmo: “Governo é governo”.
O conflito de Abril despedaçado, ao contrário, está dentro de casa, “entre a ordem imposta pelo pai e a desordem anunciada pelo filho mais novo”. Os dois meninos, o mais velho e o mais novo, enfrentam o pai, o poder, o país, a tradição que obriga a matar o filho da família inimiga porque o sangue amarelou na camisa hasteada na porta da casa como sinal de luto e bandeira de guerra. O pai de Abril não tem nome. Assim como o filho mais novo é “o menino”, ele é “o pai” país que derruba o filho da mesa com um tapa na cara em resposta à ousadia de questionar a lei. O núcleo da história, “o embate trágico entre um herói obrigado a cometer um crime que não quer e o destino que o impele à frente”, vem do livro do mesmo nome do escritor albanês Ismail Kadaré. O filme como um todo resulta tanto desse livro quanto das histórias de guerras de famílias no Brasil [5] e de uma sugestão de Kadaré: um estudo da tragédia grega. Nela se pode ver que “até o século 7 d.C. os crimes de sangue cometidos não eram julgados pelo Estado”, mas pelas famílias em conflito que “estabeleciam seus próprios códigos para a reparação do sangue derramado”. Parte desses códigos, “as camisas ensanguentadas expostas pelas famílias em conflito no Brasil e no romance de Kadaré”, são um elemento fundamental para “a comunicação com aqueles que foram assassinados. A mancha na camisa, ao se tornar amarela, indicava o consentimento do morto para a cobrança de sangue”. A sugestão de Kadaré fazia todo sentido, lembra Walter, porque as lutas entre familias no Brasil se desenvolveram também na ausencia do Estado. Tratava-se então de sair do Brasil para contar urna historia originalmente situada na Albânia e logo “voltar ao Brasil através do teatro grego” – mais precisamente, através do coro do teatro grego. Na tragédia, mas como o coro da tragédia: dentro da cena, uma outra cena. Algo semelhante ao que ocorre em A viagem dos comediantes (O Thíasos, de Theodore Angelopoulos, 1975). Segunda Guerra Mundial, a Grécia ocupada pelos nazistas: durante uma representação teatral, Orestes invade o palco para matar a mãe, Clitemnestra, e o padrasto, Egisto. Os dois morrem em cena, no momento em que os personagens que interpretavam deveríam morrer. Dentro de uma tragédia, Golfo, a pastora, uma outra, a do filho que vinga a morte do pai assassinado pelos nazistas depois de denunciado pela mãe e pelo padrasto. A plateia aplaude de pé o que julga ser uma representação de extremo realismo. [6]
Uma atmosfera de tragédia (talvez dupla, talvez contraditória) marca o personagem do pai nos filmes feitos a partir da década de 1990. O pai é ao mesmo tempo o opressor e o oprimido. O quase deus que impõe a situação trágica é também uma vítima dessa submissão à lei, à honra, à obrigação, à tradição, ao destino que determina o que ele deve fazer. A brutalidade de sua presença ou a agressividade de sua ausência não escondem o fato de que o pai é um oprimido que oprime: para enfrentar o sistema, procura imitá-lo. Sem deixar de ver a tragédia que o pai impõe ao filho, sem deixar de se dar conta da condição trágica vivida pelo pai, Abril despedaçado desloca a atenção para uma tragédia-outra, diversa daquela dos personagens. O modo de narrar – o quadro, a luz, a cor, a textura, o tempo da imagem – transforma a cena numa espécie de biombo, ou de sombra. Conduz o espectador para fora dela.
Quando o pai e a mãe se desesperam porque tudo se acabou, a câmera de Abril despedaçado quase se esquece deles. Vê de longe. Sai com Tonho, que não chora nem se despedaça como o pai e a mãe. Vai com ele até o mar. Na praia, abaixa-se para transformar a onda gigante em muralha maior que a tela. Percebe o sofrimento de Tonho, mas não vive a mesma dor. Vive outra, resultante do entendimento do que se passa com ele, assim como viu a dor dos pais sem sofrer o que eles sofriam. A câmera traz em si um pouco do olhar solidário e distante de Salustiano e um pouco do olhar carinhoso e próximo de Clara. Numa fusão desses dois olhares, comparte a solidariedade de um e o carinho do outro com o menino mais velho e com o menino mais novo. Enquanto se encolhe para não virar bagaço nos dentes da bolandeira, ou corre até perder o fôlego ao lado de Tonho na caatinga seca e espinhenta para cobrar a dívida de sangue, a câmera risca sua indignação na imagem: um círculo, uma reta, uma linha sinuosa, um rabisco qualquer, um desespero puramente cinematográfico. O que o espectador vive de fato é esse descontentamento da câmera. Como não se projeta no sofrimento do pai ou da mãe – e a rigor nem mesmo no do menino mais velho ou no do menino mais novo -, o espectador participa da imagem tal como o coro de uma tragédia grega: lamenta, analisa, comenta. Percebe o pai como o colonizado que agride outro colonizado. O pai como Laio e também Édipo. Ao mesmo tempo submetido ao destino trágico do pai, jogar fora o filho nem acabado de nascer, pés furados e amarrados para não poder caminhar, e ao destino trágico do filho, na estrada, para traçar seu caminho, enfrentar-se com o pai.
Francisco, o pai de Dois filhos de Francisco (Breno Silveira, 2005), amarra os pés dos filhos desde o berço. Decide: vão ser cantores. E passa a treiná-los para que eles sejam o que determinou que eles devem ser. José, o pai de A ostra e o vento (Walter Lima Jr., 1996), amarra os pés da filha, proibida de sair da ilha do farol para um passeio no continente. Não quer que ela seja contaminada pelas coisas ruins da cidade. Osiris, o pai de Eu tu eles (Andrucha Waddington, 2000), que na verdade nem pai é, amarra os filhos que a mulher teve com outros maridos. Sequestra as crianças e vai à cidade registrá-las como se fossem suas.
Nos filmes da década de 1960 as relações familiares apareciam fora de foco para que os personagens pudessem ser compreendidos não tanto como figuras individualizadas, mas como representações da cena política e social
Estes três personagens revelam uma característica do pai nos filmes brasileiros entre o final do século 20 e o começo do 21: o pai proprietário dos filhos, mas proprietário que não logra controlar o que possui.
A Marcela de A ostra e o vento foge do pai e da ilha pelo imaginário. Torna-se amante do vento. Imagina que ele se chama Saulo. Convida a seu quarto a ventania rebelde que a libertará do pai. A Darlene de Eu tu eles decide ser mãe e pai de seus filhos: traz para casa outros maridos para engravidar de novo e ter mais filhos. O pai, nesses dois filmes, é, por coincidência, interpretado por Lima Duarte, 0 que toma a dupla personalidade de cada um deles ainda mais evidente. Uma fusão do José de A ostra e o vento e do Osias de Eu tu eles desenha uma representação do país das décadas anteriores e antecipa o pai-patrão de Dois filhos de Francisco. José, Osias e Francisco não se reduzem a isso, mas são também uma imagem do particular autoritarismo brasileiro das décadas de 1970 a 1990: a força bruta, 0 opressor, 0 violento oculto sob a máscara do protetor. O violento impotente. O opressor ainda mais violento exatamente porque impotente. É assim que Walter Salles define 0 personagem de Abril despedaçado na carta enviada aos colaboradores, pouco antes do início das filmagens, em julho de 2000. O pai
é a tradição e o orgulho; mas um orgulho em estado bruto. É uma face áspera, rude, seca e ríspida. Dá o tom do filme. Por momentos, a incumbência de respeitar os mortos que lutaram pela terra dos Breves 0 torna quase irracional. A altivez, no entanto, lhe confere grandeza. O pai é 0 principal defensor. Mas também 0 principal prisioneiro do ciclo inexorável da bolandeira: repetição do tempo, repetição da vingança e da lei do talião – olho por olho, dente por dente. De alguma maneira, é cego como o velho; mas a sua cegueira é digna. E há, por vezes, vislumbres de ternura nele. Sua obtusa fidelidade à tradição dá-lhe força, mas o empurra ao mesmo tempo para a tragédia e 0 desespero. No final, o seu desespero é catártico.
Outro aspecto da relação entre pai e filho na década de 1990 encontra-se em Como nascem os anjos (Murilo Salles, 1996), ponto central de uma conversa iniciada em Nunca fomos tão felizes (Murilo Salles, 1983): 0 pai, depois de uma longa e não explicada ausência, volta para buscar 0 filho, interno num colégio de padres. A pretexto de protegê-lo (do país?), não diz nada (de seu envolvimento na luta contra a ditadura militar?) e morre antes de poder se explicar ao filho. A conversa passa pelos filmes seguintes do diretor. Em Faca de dois gumes (Murilo Salles, 1989) 0 pai, igualmente a pretexto de proteger o filho, revela apenas parte da história em que está envolvido e provoca o sequestro e a morte do filho. Na primeira história, morre o pai, o filho sobrevive. Na segunda, morre o filho, o pai sobrevive. Na terceira, Como nascem os anjos, o pai não está. Em quadro, um norte-americano que vive no Rio depois de abandonar a mulher e a filha nos Estados Unidos. Fora de quadro, dois outros pais que abandonaram os filhos numa casa na favela. Sabemos deles apenas pelas falas ou silêncios dos filhos, Japa e Branquinha. O pai está escondido em algum lugar distante daquele em que se passa o filme. Mudou de cidade, mudou de país. Na quarta história, Seja o que Deus quiser! (Murilo Salles, 2002), os pais desapareceram de todo. O outrora protetor/opressor, de repente, abandonou a ditadura em favor de um gesto, digamos, neoliberal. Os filhos, largados, sem pai nem mãe, se dedicam a esquecer do pai.
Esquecer o pai violento, na ausência e na presença, é um trabalho penoso. Em Bicho de sete cabeças (Laís Bodanzky, 2001), o pai se ausenta, interna o filho num hospício para livrar-se da vergonha de ter um drogado em casa. Em Deserto feliz (Paulo Caldas, 2007), o pai força bruta está presente: agride sexualmente a filha. O pai do filme de Paulo poderia rir com os dentes sujos do pai de Abril despedaçado. O pai do filme de Laís poderia repetir o pai de Lavoura arcaica (Luiz Fernando Carvalho, 2001), dizer que a paciência é a maior das virtudes e que é preciso falar com clareza e em boa ordem.
A presença e a ausência do pai provocam respostas desarticuladas. Neto, o filho do filme de Laís, entrega uma carta de repúdio à autoridade paterna e queima a mão do pai com a brasa do cigarro. Laila, a filha do filme de Paulo, recusa-se a viver como bicho preso numa jaula de latão e sai de casa para prostituir-se depois da agressão do pai. O filho de Bicho de sete cabeças e a filha de Deserto feliz são meios-irmãos do André de Lavoura arcaica. Como ele, podem repetir: “Na minha doença existe uma poderosa semente de saúde”. A palavra sofrida de André na mesa de jantar de Lavoura arcaica – ele se sente com as mãos atadas e diz que não vai por iniciativa própria atar seus pés também -, a palavra rebelde de Pacu na mesa de jantar de Abril despedaçado, a nenhuma palavra brasa do cigarro de Neto em Bicho de sete cabeças, a nenhuma palavra de Laila, a prostituição como recusa em Deserto feliz, como o silêncio de Tonho no final de Abril despedaçado, expressam a mesma coisa: o filho não reconhece mais a autoridade servida na sala de jantar com bons modos à mesa.
É como se Laio decidisse manter o filho com os pés amarrados dentro de casa, em vez de jogá-lo no deserto. Coração apertado, Iohána, em Lavoura arcaica, não compreende as marcas de sofrimento no rosto do filho, pois em casa ele sempre teve “um teto, uma cama arrumada, um lugar à mesa, alimento, proteção e muito afeto”. Diz que ninguém deve desesperar-se, pois não há espera sem recompensa. Mas diz também que ninguém na casa há de dar um curso novo ao que não pode se desviar. Não entende por que o filho abandonou a casa por uma vida pródiga, “o que é que não te davam aqui dentro? Nenhuma sabedoria devassa há de contaminar os modos da família”.
Conversam na mesa de jantar. Na cabeceira, o pai insiste: tudo é uma questão de paciência. À esquerda do pai, o filho responde, a impaciência também tem os seus direitos:
Não se pode esperar de um prisioneiro que sirva de boa vontade na casa do carcereiro; da mesma forma, pai, de quem amputamos os membros, seria absurdo exigir um abraço de afeto; maior despropósito que isso só mesmo a vileza do aleijão que, na falta das mãos, recorre aos pés para aplaudir o seu algoz; age quem sabe com a paciência proverbial do boi: além do peso da canga, pede que lhe apertem o pescoço entre os canzis. Fica mais feio o feio que consente o belo…
[…]
E fica também mais pobre o pobre que aplaude o rico, menor o pequeno que aplaude o grande, mais baixo o baixo que aplaude o alto, e assim por diante. Imaturo ou não, não reconheço mais os valores que me esmagam, acho um triste faz de conta viver na pele de terceiros, e nem entendo como se vê nobreza no arremedo dos desprovidos; a vítima ruidosa que aprova seu opressor se faz duas vezes prisioneira, a menos que faça essa pantomima atirada por seu cinismo.
[…]
Estranho é o mundo, pai, que só se une se desunindo; erguida sobre acidentes, não há ordem que se sustente; não há nada mais espúrio do que o mérito, e não fui eu que semeei esta semente. [7]
Lembremos a parede da sala de jantar de Goya, Saturno devorando a un hijo. [8] Na mesa de jantar de Lavoura arcaica o pai devora o filho.
O André de Lavoura arcaica e o Tonho de Abril despedaçado poderíam se servir das palavras de Franz Kafka na Carta ao pai: “De tua poltrona, tu regias o mundo. Tua opinião era certa, qualquer outra era disparatada”. [9] Tonho e André poderiam, também, tomar por empréstimo as palavras de Louise Bourgeois sobre seus pais: “De modo estranho aqueles dois velhos imbecis me amavam, e eu sabia disso”. [10]
Kafka não se esquece do pai à mesa do jantar:
Eu ficava junto de ti, a tua lição era em grande parte uma lição sobre o comportamento correto à mesa. O que vinha à mesa tinha de ser comido, não era permitido falar sobre a qualidade da comida mas tu muitas vezes achavas a qualidade da comida intragável; e a chamava de “boia” que a “besta” (a cozinheira) havia estragado. E porque tinhas, por natureza, um apetite vigoroso e uma predileção especial por comer rápido, quente e em grandes bocados, a criança tinha de se apressar; um silêncio sombrio reinava à mesa, interrompido por admoestações: “Primeiro come, depois conversa” ou “Anda, mais rápido, vamos” ou “Vê, eu já terminei há tempo”. A gente não podia partir os ossos com os dentes, tu sim. A gente não podia sorver o vinagre fazendo barulho, tu sim. O principal era cortar o pão bem reto; mas o fato de tu o fazeres com uma faca pingando molho não importava. A gente tinha de prestar atenção para que nenhum resto de comida caísse no chão, debaixo de ti estava a maior parte no final das contas. Na mesa a gente podia se ocupar da comida, mas tu limpava e cortava as unhas, apontavas o lápis, limpava os ouvidos com o palito de dentes. Por favor, pai, me entenda bem, esses pormenores teriam sido totalmente insignificantes em si; eles só me oprimiam porque o homem que de maneira tão grandiosa era a medida de todas as coisas não atendia ele mesmo aos mandamentos que me impunha. [11]
A partir da década de 1990, o social e o político é que aparecem fora de foco. A atenção se concentra na individualidade dos personagens, o conflito se desloca do geral para o particular
Louise não se esquece do pai à mesa, “ficava se exibindo, se enaltecendo. E quanto mais se exibia, menores nos sentíamos”. [12] Comenta que “muitos pais se profissionalizam em ter filhos. Vivem por meio do filho e o destroem”; [13] diz que sua escultura The Destruction of the Father (1974) mostra o pai liquidado da mesma maneira que havia liquidado seus filhos:
Uma espécie de ressentimento cresce nas crianças. Chega o dia em que elas se irritam. Há tragédia no ar. Ele já fez demais esse discurso.
As crianças o agarram e o põem sobre a mesa. E ele se toma a comida. Elas o dividem, o desmembram e o comem. E assim ele é liquidado.
Trata-se, como você vê, de um drama oral! A irritação era sua constante agressão verbal. Então ele foi liquidado: da mesma maneira que havia liquidado seus filhos. A escultura representa ao mesmo tempo uma mesa e uma cama. Quando você entra numa sala, vê a mesa, mas no andar superior, no quarto dos pais, há a cama. Essas duas coisas contam na vida erótica de uma pessoa: a mesa de jantar e a cama. A mesa onde seus pais o fazem sofrer. E a cama onde você se deita com seu marido, onde seus filhos nasceram, onde você vai morrer. Basicamente, como são quase do mesmo tamanho, são o mesmo objeto.’ [14]
The Destruction of the Father, para Louise, é uma fantasia com relação ao pai, “nós quatro o agarramos, o deitamos na mesa e arrancamos suas pernas e seus braços – o desmembramos, entende? E tivemos tanto êxito em espancá-lo que o comemos. É uma fantasia, mas às vezes a fantasia é vivida”. [15] Louise diz ainda que sua mãe, “por todo tipo de motivos baixos”, a amava, “basicamente porque eu era parecida com o seu marido”. A mãe podia então “adular o pai dizendo: sei que você queria um menino. Sinto muito, mas veja, sei que é apenas uma menina, mas é o seu retrato”. [16]
A mãe, continua Kafka na carta ao pai, assumiu cegamente os juízos e preconceitos do pai em relação aos filhos. Era preciso “fugir também da família, até mesmo de mamãe. A gente sempre podia encontrar proteção junto dela, mas apenas no que diz respeito à relação contigo. Ela te amava demais e havia se entregado a ti de maneira demasiado fiel, para que, na luta do filho, pudesse representar um poder espiritual autônomo por muito tempo”. [17]
Imaginemos um contracampo da carta ao pai de Kafka e da fantasia de destruição do pai de Bourgeois: em lugar da fantasia vivida para lidar com um pai de verdade, uma fantasia de pai para lidar com o país de verdade. Tonho e Pacu na terra despedaçada, Paco e Alex desterrados no lugar ideal para perder-se de si mesmo, André na família arcaica, Marcela na ilha do vento, Laila no deserto do tatú, todos eles vivem um conflito entre o medo do pai, como o de Kafka, “eu vivia sempre na vergonha”, e a raiva do pai, como a de Louise, “uma espécie de desejo feroz de independência”.
Em O primeiro dia (Walter Salles e Daniela Thomas, 1999), com medo e raiva iguais, ou ainda maiores, Chico reza ao pai nosso que está no céu para agradecer a bala que vai entrar em sua cabeça.
Na mesa de jantar a procura, negação e reinvenção do pai – Orestes, Édipo, Laio? Realidade brasileira e teatro grego? O hotel dos viajantes? A Vila do João? A bolandeira despedaçada? Terra estrangeira, Central do Brasil, O primeiro dia e Abril despedaçado mostram o encontro do irmão como o encontro de si mesmo, como o gesto fundamental para a construção da identidade – processo sem fim, ou um fim em si próprio. O importante não é a chegada, mas o caminho, a busca, o encontro com o irmão igualmente empenhado em não se perder de si mesmo. Por isso a aventura de um filme se mistura com a de outro. O que começou com Paco, Alex e Miguel perdidos no lugar ideal para perder-se de si próprio, continua em Josué, Isaías e Moisés. Josué entra Brasil adentro para conhecer o pai, que parou de trabalhar, bebeu e bebeu e bebeu antes de um dia largar a cachaça pela metade e sumir. Isaías ficou cismado com o sumiço, “o pai deixar uma garrafa de cachaça pela metade – tinha alguma coisa errada acontecendo”. Cismado mas esperançoso, depois de consertar a coisa errada “ele vai voltar”. Moisés, que herdou do pai o gosto pelo trabalho em madeira, acha melhor que ele tenha sumido para sempre: “Vai voltar nunca”. Josué, que na procura do pai encontrou os irmãos, tem quase certeza, “um dia ele volta”. O que começou com Paco, Alex e Miguel, cercados de diferentes e quase incomunicáveis modos de falar a mesma língua (o português do Brasil, o de Portugal e o de Angola), continuou em Josué, Isaías e Moisés, que se encontram graças a uma carta não enviada. Passou por João e Maria, ele obrigado a silenciar o amigo que falava demais, ela ensinando um surdo-mudo a dizer “feliz ano-novo”. E veio até Tonho e Pacu: o irmão Inácio morto, eles giram em torno da bolandeira encalhada no sertão como o navio que Alex e Paco descobrem no meio do mar.
Os pais são o cenário em que se passa a história: são o navio encalhado num banco de areia no meio do mar de Terra estrangeira, a estação de trem da escrevedora de cartas de Central do Brasil, a bolandeira de Abril despedaçado, o beco entre a favela e a cidade de O primeiro dia. As histórias, todas essas, são histórias de irmãos. O mais velho constrói um balanço para o mais novo voar; o mais novo ensina o mais velho a sonhar com o mar ali onde a vida secou e nem mesmo o riacho que correu um dia corre mais. Paco sonha chegar à terra do pai ao lado de Alex; no primeiro dia de liberdade João sonha com Maria, imagina uma outra vida em que ninguém mata, ninguém morre. Paco leva um tiro nas costas enquanto sonha com o manto mágico para seguir viagem em terras estrangeiras. Pacu leva um tiro nas costas enquanto sonha com o dia em que o sertão vai virar mar. João leva um tiro na praia: o mar virou sertão no primeiro dia do novo milênio. Sonharam antes, sonharam o que os irmãos iriam sonhar adiante, sonharam antes onde não existia espaço nem para o sonho. No tempo de Vidas secas os pais sonhavam. Um sonho magro, mas sonhavam: ele, com o dia em que deixariam de viver como bichos; ela, com o dia em que os dois meninos iriam dormir em cama de couro e aprender a ler e escrever, como seu Tomás da bolandeira. Em Abril, os pais não sonham mais. Ou sonham apenas um sonho despedaçado: a morte dos filhos cria uma espécie de orfandade às avessas. Os pais não são mais donos de nada. Perderam tudo. Todos se esqueceram deles.
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NOTAS
1. Carlos Drummond de Andrade, “Hino Nacional”, em Brejo das almas. Belo Horizonte: edição do autor, 1934; e em Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967, p. 89.
2. Walter Salles, “O documentário como socorro nobre da ficção”, entrevista a Cinemais, n. 9, jan./ fev. 1998, p. 15.
3. “Os lugares onde a possibilidade de migração é muito presente suscitam a necessidade de fixação pictórica das pessoas que partiram. Se você entra numa casa nordestina, por mais pobre que seja essa casa, você encontra um número impressionante de retratos e imagens que permitem a lembrança daqueles que partiram. A questão da imagem não é decorativa, como é muitas vezes para nós. Constitui-se numa memória, numa necessidade intrínseca quase que de sobrevivência. Uma forma de resistir é lembrar a pessoa que se foi.” Ibidem, pp. 23-24.
4. Ibidem, p. 11.
5. Em carta enviada aos colaboradores do filme pouco antes do início das filmagens, em julho de 2000, Walter Salles diz que informação importante para o roteiro de Abril despedaçado, escrito com Sérgio Machado e Karim Aïnouz a partir do romance de Ismail Kadaré, veio de Lutas de famílias no Brasil, de Luiz de Aguiar Costa Pinto, livro da década de 1940. “Costa Pinto nos permite entender como os conflitos que experimentamos em nosso país se aproximam daqueles vividos na Albânia de Kadaré ou na Grécia de Ésquilo. Baseado na análise dos confrontos entre as famílias Pires e Camargo, em São Paulo, e entre os Feitosa e os Montes, no Ceará, Lutas de famílias no Brasil prova que a vingança, no Brasil, se dá na ausência do Estado regulador. É algo que nasce de forma natural, espontânea, e que só deixa de existir quando surge um poder mais forte e regulador”. O texto, publicado em Cinemais, n. 31, set./out. 2001, traz citações do livro. O documentário de Eduardo Coutinho, Exu, uma tragédia sertaneja, feito em 1979 para a televisão, trata da luta entre as famílias Alencar e Sampaio na cidade de Exu, em Pernambuco, conflito de características não muito distantes do narrado em Abril despedaçado.
6. A peça Golfo, a pastora, escrita em 1893 por Spyridon Peresiadis (1864-1918) foi duas vezes levada ao cinema na Grécia: a primeira adaptação é de 1915, dirigida por Konstantínos Bahatóris, e a segunda, de 1955, dirigida por Orestis Laskos. Angelopoulos volta a se referir à peça de Peresiadis em Paisagem na neblina (Topio stin omichli, 1988).
7. Raduan Nassar, Lavoura arcaica, 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 162-163.
8. Saturno devorando a un hijo, de Francisco de Goya, encontra-se no Museu do Prado, em Madri. Originalmente na parede da sala de jantar da casa do pintor, óleo sobre reboco, a pintura foi transposta para tela em 1873 por Salvador Martínez Cubells. O quadro representa Saturno (ou Chronos) devorando um filho. Na mitologia grega, Chronos, criador do tempo, devorava os filhos por temer ser destronado por um deles.
9. Franz Kafka, Carta ao pai. Tradução e apresentação de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM, 1994, p. 28.
10. Louise Bourgeois, Destruição do pai/ Reconstrução do pai. Escritos e entrevistas 1923-1997. Edição e textos de Marie-Laure Bernadac e Hans-Ulrich Obrist. Tradução de Alvaro Machado e Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Cosac Naify, 2000, p. 128.
11. Franz Kafka, op. cit., pp. 32-33.
12. Louise Bourgeois, op. cit., p. 158.
13. Ibidem, p. 225.
14. Ibidem, pp. 115-116.
15. Ibidem, p. 158.
16. Ibidem, p. 128.
17. Franz Kafka, op. cit., p. 52.
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JOSÉ CARLOS AVELLAR (1936-2016) foi um dos mais importantes críticos de cinema brasileiro, tendo mantido um diálogo permanente e renovado com realizadores e estudiosos de diversas gerações. Coordenador de cinema do Instituto Moreira Salles desde 2008, era representante no Brasil do Festival de Berlim, foi presidente da RioFilme e diretor da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. É autor, entre outros, de Chão da palavra: cinema e literatura no Brasil (Rocco, 2007) e O cinema dilacerado (Alhambra, 1986), e sua produção recente pode ser lida em www.escrevercinema.com. Este texto é parte de Pai país mãe pátria, livro inédito sobre as representações familiares no cinema brasileiro que o IMS publicou em 2016.